Atos de ativismo e ruptura do mito de neutralidade da Ciência e do Jornalismo dão o tom da cerimônia de abertura do II Práxisjor - Seminário Pensar e Fazer Jornalismo, ocorrida na última quarta-feira, 19 de setembro.
Clara Goes 2º semestre - Curso de Jornalismo da UFC
Iniciou-se nesta quarta-feira (19/09), o II Seminário Pensar e Fazer Jornalismo, realizado na Universidade Federal do Ceará, por meio da cerimônia de solenidade e posteriormente, da conferência de abertura, pautada em diálogos sobre a relação entre Jornalismo e Democracia. Da solenidade inaugural, participaram os professores Custódio de Almeida, vice-reitor da UFC, Diógenes Lycarião, vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFC, e Naiana Rodrigues, que compõe a liderança do PraxisJor. A jornalista Kamila Fernandes, doutoranda pela Universidade de Minho, em Portugal, e professora da Universidade Federal do Ceará, presidiu a conferência de abertura em vídeo, fomentando um olhar aguçado a partir de suas áreas de atuação, que englobam as temáticas de jornalismo alternativo, audiovisual, discurso, produção de sentido e poder.
Solenidade reflexiva
Lançando as premissas que guiarão as discussões do evento, o debate inicial formulou-se a partir da discussão sobre as transformações ocorridas no Jornalismo pós-industrial, de seus novos arranjos mercadológicos e relacionais; assim como sobre o espaço social da prática jornalística, em uma sociedade mutável e fragmentada. O discurso que povoou a solenidade introdutória, ecoado pela fala dos três participantes, tinha como ponto fundamental a necessidade de se repensar a prática jornalística no contexto contemporâneo, a identidade da área e de seus profissionais, assim como sua missão comunicativa e o papel desta como mediadora da democracia e da representatividade em sociedade. Como pode ser apreendido na fala do professor Diógenes Lycarião: "é preciso colocar o dedo na ferida e pensar qual é o nosso papel e quais têm sido as nossas ambições, seja como profissionais da Comunicação, como jornalistas e como pesquisadores, para a defesa veemente da democracia".
Jornalismo alternativo e direito à Comunicação
Dando continuidade ao caráter questionador do Seminário, a conferencista Kamila pôs em xeque convenções pré-estabelecidas e lançou mão de teorias críticas, respaldadas em autores progressistas, validando a ideia de um jornalismo claramente posicionado, ao desenvolver suas pesquisas de forma politicamente engajada, inclusive como mulher feminista. Dividindo sua fala em dois grandes blocos, a jornalista discorreu acerca da concepção de democracia na contemporaneidade, para então estender suas considerações à Comunicação e à prática jornalística.
Nesse enfoque, embasando-se na perspectiva do teórico argentino Ernesto Laclau, a jornalista dispõe a democracia como um significante flutuante, ou seja, um termo assume diferentes formas, variando de acordo com os interesses e o contexto em questão, sendo fortemente influenciado pelo poder hegemônico. Ao salientar a profundidade da influência desse poder, a pesquisadora relativiza o modelo de democracia representativa, no qual uma maioria soberana se estabelece sobre uma minoria, teoricamente em concordância com a vontade popular.
Relativizando essa concepção, Kamila baseia-se na perspectiva de Chantal Mouffe, cientista política pós-marxista, que defende uma democracia radicalmente pluralista, partindo do reconhecimento das diferenças para estabelecer, através do debate, políticas abrangentes e inclusivas. Dessa maneira, a Comunicação entra em debate pela sua potencialidade de gerar mais pluralismo na democracia e mais representatividade social, como explana a jornalista: "A Comunicação é uma forma de tentar trazer à tona essas diferenças, fazer com que elas sejam reconhecidas, fazer com que elas sejam naturalizadas, que as pessoas deixem de estranhar o outro por ele ser diferente. Ela tem essa capacidade de aproximar, de criar empatia entre as diferenças".
Aprofundando essa avaliação no campo jornalístico e observando os aspectos de um ponto de vista mais prático, Kamila ressalta a designação histórica do Jornalismo como vigilante do poder público, assim como seletor do que é relevante, o que designou-o como uma instituição de referenciação social. Em contrapartida, juntamente com a profissionalização e a padronização metodológica, houve a introdução deste na lógica de mercado, comprometendo aspectos inerentes ao seu respaldo social. É a partir daí que a atividade jornalística delimita-se como um produto à venda, torna-se dependente do capital público e privado, e perde força de contextualização, rareando a profundidade da notícia.
Dadas essas limitações do Jornalismo tradicional, a produção alternativa surge como meio para a expressão popular, suprindo a necessidade de fala, com o exercício do direito à Comunicação. Com uma grande diversidade de meios, o jornalismo independente traz à tona temas excluídos da agenda pública, carregando consigo o objetivo de informar, mas também o de acarretar mudanças na sociedade. Estabelece-se assim, uma produção ativista, plural e engajada politicamente. O material alternativo vai de encontro ao convencional, por vezes transgredindo os ditames da objetividade e da imparcialidade tradicionais.
Entre os exemplos expostos na conferência, está o site informativo Agenda Pública, um dos pioneiros no material independente, que age em defesa dos Direitos Humanos e da justiça social, atuando inclusive com checagem de informações políticas para a população; o portal Amazônia Real, que pauta o meio ambiente e as comunidades indígenas por uma perspectiva engajada e comunitária; além do Coletivo Papo Reto, página do Facebook que retrata a relação dos moradores do Morro do Alemão com o policiamento e a violência.
Porém, a pesquisadora explana acerca das dificuldades de sobrevivência desses veículos no meio jornalístico. Problemáticas como o financiamento, que é escasso e frequentemente feito por instituições com interesses próprios; a vulnerabilidade e a consequente pouca duração dessas iniciativas são fatores que enfraquecem os impactos da produção alternativa em sociedade. Ainda assim, em meio a isso, a produção alternativa persiste no sentido de renovar os empreendimentos jornalísticos, de repensar sua produção e respaldá-los na referenciação da pluralidade social.
O diálogo na direção de um jornalismo consciente
O PráxisJor surge com a proposta de debruçar-se na análise das transformações estruturais ocorridas na esfera jornalística, lançando em reflexividade professores do curso de Jornalismo da UFC, estudantes da graduação e jornalistas. Nesse sentido, a integração de pesquisadores e profissionais serve a dois fatores: de um lado, valida os estudos acadêmicos e acrescenta experiência prática às teorias desenvolvidas; do outro, potencializa os jornalistas como atores de transformação, movendos-os do produtivismo frenético em direção a prática consciente de sua profissão. Como ressalta Naiana Rodrigues, uma das coordenadoras do projeto: "O PráxisJor nasce desse desejo da gente compreender melhor o que está acontecendo no jornalismo, da gente ter uma real dimensão de como é prática jornalística. E o evento vem exatamente para a gente tentar ampliar esse olhar, ampliar esse diálogo, ter uma noção de outras realidades jornalísticas".
O escopo montado para 2018 engloba questões relacionadas à credibilidade, à qualidade no Jornalismo, às Plataformas e linguagens da área, assim como à identidade profissional diante das transformações da área. Seguindo essas premissas, a programação de quinta-feira (20/09) inicia-se a partir das 09 horas, com atividades simultâneas– minicursos e reunião de articulação/apresentação entre os grupos de pesquisa em jornalismo– até as 12 horas. No período da tarde, de 14 horas a 17:30, serão apresentados os Grupos de Trabalho. Às 18 horas será realizada a Mesa de Credibilidade no jornalismo. Encerrando o roteiro do dia, às 19:45 será presidida a Conferência de Fact Checking.
Edição: Mayara de Araújo
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